domingo, abril 27, 2025

OS DESAJUSTADOS (The Misfits)



why do I feel
this torture?
or why do I feel less
of a human being than others
(Always so of felt in
a way that I’m sub-human
why
in other words
I’m the worst
why?)


Marilyn Monroe em Fragmentos – Poemas, Anotações Íntimas e Cartas de Marilyn Monroe (p. 121)

Achei difícil ver OS DESAJUSTADOS (1961), de John Huston, e não pensar na Marilyn Monroe, no quanto a personagem que ela interpreta carrega muito de si, de sua sensibilidade, de suas inquietações, de suas fragilidades e também de sua alta inteligência e percepção do que está errado no mundo. E Huston, por mais que tenha também a fama de ser esse diretor que é capaz de deixar de lado um set de filmagens para matar um elefante na África, nas filmagens de UMA AVENTURA NA ÁFRICA (1951), fato muito bem explorado no excelente CORAÇÃO DE CAÇADOR, de Clint Eastwood, por mais que tenha a fama de carrasco, há também em seus filmes um tipo de sensibilidade que só faz com que achemos a raça humana ainda fascinante em suas contradições.

E em OS DESAJUSTADOS ele parece, sim, ser essa pessoa que parece se questionar sobre a decadência ou pelo menos a falta de sentido do mundo patriarcal e acostumado com a violência. Eu não estava nada preparado para as cenas dos cavalos, que me deram mesmo aflição, mas isso acontece principalmente pois a personagem de Monroe representa muito bem a sensibilidade dentro daquele mundo masculino decadente dos caubóis, representado principalmente pelo personagem de Clark Gable. Acredito que seja a melhor interpretação de Marilyn, e sua última num filme completo.

Também foi o último de Gable, com seu personagem que lamenta os rumos que deu a sua vida, e que vê naquela loira bonita, carinhosa e sem rumo a chance de ser feliz novamente. E também é um dos últimos de Montgomery Clift, como o caubói que vive uma vida de sacrifício, como se quisesse, de alguma maneira, esquecer as angústias com a dor física. O próprio Clift já era, como ator de Hollywood, uma figura carregada de certa tragédia no olhar. Outros filmes com ele seriam lançados posteriormente, inclusive um dirigido pelo próprio Huston, FREUD – ALÉM DA ALMA (1962), mas já faziam parte da fase de decadência física e emocional do astro. Marilyn, em suas memórias, chegou a dizer que Clift como “a única pessoa que conheço que está pior do que eu”. Ou seja, é como se o roteiro de Arthur Miller tivesse sido escrito para Clift, que vivia numa espécie de longo suicídio, de vida de autodestruição.

Ou seja, OS DESAJUSTADOS é carregado de um simbolismo de fim de uma era para Hollywood, ao vermos a antecipação tripla da morte de figuras tão importantes para a história do cinema americano. E o filme trazer essa sensação de fim, de crepúsculo, de melancolia e angústia, de maneira tão intensa, como se estivesse simplesmente captando com antenas o zeitgeist, só isso já o coloca como uma das obras mais fundamentais do cinema americano.

Na trama, Marilyn Monroe é como uma lâmpada que atrai mosquitos, no caso, os três homens do elenco principal: Montgomery Clift e Eli Wallach são os outros. Ela é Roslyn, uma mulher separada depois de um relacionamento abusivo, que conhece num bar Gay Langland, um velho caubói vivido por Gable, que a convida para conhecer o rancho de um amigo, o personagem de Wallach, um piloto de aviões também separado e com um casamento fracassado. É lá que os dois, Gay e Roslyn, tentarão uma vida amorosa juntos.

OS DESAJUSTADOS tem uma narrativa em compasso lento, ritmo que seria bastante adotado nos filmes da fase ainda mais tardia do diretor, como OS PECADOS DE TODOS NÓS (1967) e seu canto do cisne OS VIVOS E OS MORTOS (1987). Aliás, falam maravilhas de CIDADE DAS ILUSÕES (1972) e sobre o quanto é um filme-irmão de OS DESAJUSTADOS, e por isso ele está na minha lista de interesses para este ano ainda. O filme-despedida de Monroe e Gable é uma obra sobre personagens fracassados em busca de segundas chances, e do quanto a sensibilidade de uma mulher é capaz de tornar visível a crueldade do homem. Só por isso, já me ganhou.

Por isso um grande dramaturgo faz uma diferença e tanto num filme. Aqui Arthur Miller, então casado com Marilyn, escreve o roteiro e John Huston, ainda que já veterano àquela altura, faz um filme diferente do que se estava acostumado a se ver em Hollywood naquele momento. Por isso que muitas vezes essa coisa de fazer a divisão entre velha e nova Hollywood acaba sendo problemático, principalmente quando vemos algo desse tipo, que já antecipa bastante o tom que o cinema americano adotaria na década seguinte.

+ DOIS FILMES

BAD GIRLS GO TO HELL

Segundo filme de Doris Wishman que vejo – o anterior foi o infame LET ME DIE A WOMAN (1977), que imagino ser de um outro momento de sua carreira. Este BAD GIRLS GO TO HELL (1965) se encaixa num sexploitation que imagino que era novidade na década de 1960, um período em que se começou a ter mais liberdade para trazer nudez gráfica em filmes americanos, ainda que em obras mais marginais como esta. No entanto, como cinema exploratório do corpo feminino, é sempre bom lembrar que temos uma mulher atrás das câmeras e isso faz toda a diferença. A personagem principal é uma mulher que vive o inferno de se sentir perseguida, após fugir de Chicago depois de ter matado o homem que a estuprava. Usando um nome falso e sem dinheiro, nossa heroína sai em busca de um pouco de paz e alegria para reconstruir a vida em Nova York. O filme é mais sobre a crueldade do mundo patriarcal e covarde com a mulher, disfarçado de obra que explora o corpo nu ou em roupas transparentes. Isso serviria como chamariz. O filme me fez lembrar os primeiros trabalhos de Brian De Palma. E talvez por isso algumas pessoas comparem Wishman a Godard, já que De Palma também queria ser uma espécie de Godard americano.

UM COMPLETO DESCONHECIDO (A Complete Unknown)

Vi UM COMPLETO DESCONHECIDO (2024) sob circunstâncias adversas e numa sala não muito boa, mas o filme é tão bom de acompanhar que quase me esqueci dos problemas. Timothée Chalamet sai de DUNA para o papel de um jovem Bob Dylan. E o rapaz arrasa. Canta e toca violão/guitarra de verdade e não está nada afetado em sua personificação do cantor e compositor mitológico. Além do mais, o filme ainda conta com duas jovens atrizes tão belas quanto talentosas, a revelação Monica Barbaro como Joan Baez e a já famosa Elle Fanning como Sylvie Russo, a namorada de Dylan eternizada na capa do álbum The Freewheelin' Bob Dylan (1963). James Mangold faz aqui um filme que funciona como uma dobradinha perfeita com JOHNNY & JUNE (2005), inclusive com uma participação também de Johnny Cash como alguém que incentiva Dylan a fazer aquilo que deseja, a se libertar dos rótulos e do aprisionamento que ele sentia dentro da indústria da música folk, que ele nunca deixou de fazer, mas cuja virada, mais para o rock, a partir de 1965, foi vital para que o cantor se firmasse por tanto tempo como artista relevante e gigante. O legal do filme é que ele coloca momentos de insatisfação de Dylan e a mudança grande que aconteceria em '65 não acontece de uma hora para a outra para o espectador. Um clássico filme de cinebiografia, mas também uma obra que enfatiza o aspecto misterioso e selvagem da persona de Dylan, principalmente na cena final.

domingo, abril 20, 2025

PECADORES (Sinners)



A música ocidental seria muito pobre se não fosse a contribuição dos negros. Na verdade, se pensarmos bem, a música que até hoje resiste é nascida da criatividade e inventividade negra: o jazz, o blues, o rock, o r&b, o soul, o funk, o reggae, o pop, o samba, o rap, e por aí vai. Até mesmo a música country parece ter também influências da música negra em sua gênese. Ou seja, de um povo criado na dor de ter sido sequestrado, açoitado e ter sido tratado muito menos do que um objeto, pois objetos não são açoitados, nasceu uma das mais ricas contribuições para a cultura contemporânea. No caso da música negra norte-americana, ela ainda teve o agravante de ter a restrição de não se poder usar instrumentos de percussão. No entanto, os negros americanos souberam usar essa restrição a seu favor e criaram uma das músicas mais sofisticadas do mundo.

A metáfora dos vampiros, por isso, parece genial no filme de Ryan Coogler, pois é mais uma tapa na cara dos racistas, dos brancos que se acham superiores. E se pensarmos que os Estados Unidos foram um país que criou uma organização como a Ku Klux Klan e que enforcou pessoas negras ao longo dos anos, sem falar nas proibições de se usar o mesmo banheiro ou de se sentar em espaços diferentes do mesmo ônibus em certos estados do sul, isso só torna a história desse país ainda mais complexa. Por isso que falar dos Estados Unidos é também sempre lembrar de um legado de horrores. E por isso falar dos Estados Unidos também é pensar na alegria que sua música e sua cultura nos trouxeram.

Vendo PECADORES é que passo a entender o jogo de Ryan Coogler em trazer para si, ou melhor, para o protagonista negro, o que geralmente era de um protagonista branco. Aconteceu com CREED – NASCIDO PARA LUTAR (2015), criado a partir da franquia Rocky, sobre um boxeador ítalo-americano, e com PANTERA NEGRA (2018), um filme de super-herói da Marvel que coloca a cultura africana como superior, inclusive do ponto de vista da tecnologia, mas eu não estava preparado para um salto tão gigante como este seu novo filme.

Seu quinto longa-metragem é não apenas um dos mais criativos filmes de vampiros de todos os tempos, mas vai muito além disso, ao retratar a luta do homem negro no sul dos Estados Unidos em tempos de KKK ainda em atividade e ao falar de apropriação cultural. Mas o que mais me encantou mesmo foi mostrar a música como uma espécie de mágica, e como uma mágica que veio com o povo africano escravizado, uma música que faz parte do negro americano; diferente da religião, que foi imposta, e isso é mencionado no filme.

Aliás, Coogler às vezes soa quase didático (no bom sentido do termo), mas há muitos simbolismos mais sutis que merecem um pouco mais de atenção. A própria necessidade do vampiro de precisar que a pessoa o convide para entrar é também representativo do quanto o artista negro americano foi perdendo sua preciosa música para os brancos, de olho no que havia de melhor e prontos também para usufruírem daquela arte incrível, como é o caso do blues e do jazz, e mais adiante do rock também.

Uma das melhores cenas do ano (ou do século) é aquela que vemos a magia do blues perpassando presente, passado e futuro. E não consigo ver outra arte que não o cinema para apresentar aquilo de tal maneira. E essa cena especificamente é talvez o maior flagrante do grande talento de Coogler, que aqui se mostra à altura de um Jordan Peele, para citar um dos grandes mestres do cinema de horror da atualidade – ainda considero NÃO, NÃO OLHE! o melhor filme de terror dirigido por um cineasta negro, mas sei que existem muitas lacunas em minha cultura cinéfila ainda.

Sobre a trama, Michael B. Jordan interpreta dois irmãos gêmeos que voltaram de Chicago para sua cidadezinha do interior do Mississipi em 1932,com muito dinheiro após um período trabalhando para a máfia de Al Capone. Aliás, até a discussão acerca de todo dinheiro ser roubado ali nos Estados Unidos é muito interessante. Esses dois irmãos visitam o primo mais novo, Sammy, chamado de pastorzinho (Miles Caton), por ser filho de pastor, para que ele toque na inauguração de uma casa de espetáculos de blues na cidade. Depois, como em OS SETE SAMURAIS, saem em busca de pessoas que os ajudem na organização do evento, como um homem grande para ser o leão de chácara (Omar Miller), ou um bom músico vivendo na pior (Delroy Lindo) para ajudar na banda, ou uma cantora jovem (Jayme Lawson) etc. O elenco ainda tem Hailee Steinfeld, atriz de ascendência filipina e por isso combina bem no papel de alguém que tem sangue negro nas veias, como o interesse amoroso de um dos irmãos.

O filme lembra UM DRINK NO INFERNO, de Robert Zemeckis, no momento que os vampiros chegam para invadir o espaço. Ou melhor, pedindo para entrar, pois há um jogo muito interessante da trama de aproveitar certos conceitos de filmes e de literatura sobre vampiros, como o alho como elemento que os espanta ou causa dor, a luz do sol como elemento que os mata, além do uso da estaca no peito também. Nesse sentido, a personagem de Wunmi Mosaku como uma espécie de feiticeira, uma mulher detentora da sabedoria de magia e sobrenatural, essencial para a condução desse segundo momento do filme. Mas claro: por mais memorável que seja o filme de Zemeckis com roteiro de Tarantino, Coogler faz aqui um trabalho muito mais respeitável e sofisticado. Desde já um dos melhores do ano.

Ah, e quem puder, veja o filme numa sala IMAX! Faz toda a diferença!

+ DOIS FILMES

DROP – AMEAÇA ANÔNIMA (Drop)

Não sei se já dá para dizer que este é o filme de maturidade de Christopher Landon, vindo ele de obras mais lúdicas como A MORTE TE DÁ PARABÉNS (2017), sua continuação (2019) e a comédia de terror FREAKY – NO CORPO DE UM ASSASSINO (2020). Em DROP – AMEAÇA ANÔNIMA (2025), seu trabalho formal chega a ser impressionante, lembrando muitas vezes Brian De Palma, no modo como lida tanto com o suspense quanto com a câmera nervosa, captando os vários espaços de um restaurante chique. Na trama, mulher traumatizada vai a um primeiro encontro com um rapaz que conhece num aplicativo de relacionamentos, mas as coisas começam a ficar muito tensas quando ela recebe mensagens perigosas em seu celular. Creio que o filme captura bem o mundo em que vivemos. Enquanto via o filme, inclusive, sentia as notificações no celular em meu bolso e percebia o quanto esse aparelhinho que carregamos o tempo todo nas mãos ou no bolso é tóxico. Não que isso seja a moral da história, mas certamente um lembrete para o presente e uma marca documental para o futuro. O que temos é principalmente um filme pra lá de eficiente na condução do suspense e que realmente provoca arrepios em determinados momentos de perigo e tensão. Acredito que o cineasta passará a ganhar mais atenção para os próximos trabalhos que virão, dada a direção elegante e a condução impressionante de DROP.

O MACACO (The Monkey)

Talvez O MACACO (2025) seja o menos interessante da filmografia de Osgood Perkins, mas ainda assim tem seus méritos e um diferencial. Difere dos filmes de brinquedos ou bonecas amaldiçoados que existem por aí, tanto no tom, com um tipo de humor prevalecendo, quanto na maneira como a morte é tratada como algo inescapável, como diz a personagem de Tatiana Maslany a seus filhos adolescentes, quando os dois perdem uma pessoa querida num acidente horrível, logo após o macaco ter sido usado. Esse tom de quase desistência perante a morte é tanto uma força (pela originalidade) quanto uma fraqueza (pela falta de temor de nossa parte). O filme também não explora jump scares e por isso acaba fugindo do terror mais vulgar. Talvez haja uma aproximação maior com a franquia Premonição, pelo modo como se começa a esperar a próxima situação. E algumas delas realmente são bem surpreendentes, como a morte da tia ou a do sujeito que fica viciado no macaco. O MACACO é também um filme sobre a dificuldade de comunicação entre os familiares e sobre a ausência paterna. Não é tão plasticamente bonito como MARIA E JOÃO – O CONTO DAS BRUXAS (2020) e LONGLEGS – VÍNCULO MORTAL (2024), mas mantém o nome de Perkins como um dos principais do gênero da atualidade. Porém, é verdade que ainda falta a ele um grande filme no currículo.

segunda-feira, abril 14, 2025

ONDA NOVA



“Vale assistir aos seus divertidíssimos filmes, repletos de humor sacana e gaiato que não existe mais. E acima de tudo, pensar na arte como o gigante que engole o mundo, e que despreza a barreira misteriosa da morte, eternizando a vida”
ORMOND, Andrea.
Ensaios de Cinema Brasileiro – Volume II: Os Anos 1980 e 1990, p. 221.

O excerto acima de Ormond é sobre A ESTRELA NUA (1984), o terceiro da chamada trilogia do desejo de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, estrelada por Carla Camurati. E lendo sobre este filme é que percebo que se trata de uma espécie de continuação ainda mais viajante de ONDA NOVA (1983), que já tem esse tom jazzístico, desinteressado com uma trama e muito afinado com certo espírito libertário.

Também li agora meu texto lá de 2010 sobre ONDA NOVA, escrito no calor do momento em que o vi, após ter recebido uma cópia do amigo Adilson Marcelino, e percebo que algumas impressões que tive vendo esta cópia nova remasterizada no cinema, como pensar certa semelhança com os filmes de Pedro Almodóvar, e o quanto me amarrei nas referências explícitas e verbais a Walter Hugo Khouri (não teria como), foram basicamente as mesmas. Mas claro que gostei muito mais agora, na revisão, no cinema, em imagem cristalina que valoriza a beleza das imagens, das cores, das atrizes, da alegria contagiante.

Ouvi dizer que os outros dois filmes da trilogia de José Antonio Garcia e Ícaro Martins estrelados por Carla Camurati, bem como O CORPO (1991), apenas de Garcia, também receberão o mesmo tratamento que ONDA NOVA recebeu. Olha que notícia maravilhosa, caso seja mesmo verdade (pois só acreditando vendo)! É possível dizer que o relançamento nos cinemas deste filme tenha sido um dos grandes acontecimentos deste início de 2025. Tanto para aqueles que já conheciam o filme e terem essa chance incrível de revê-lo na telona, quanto para quem não conhecia e considerava a obra de certa forma até um tanto esquecida.

O que não é bem verdade. Embora seja verdade, sim, que o próprio cinema de pornochanchada paulista, da Boca do Lixo, por mais que seja reverenciado e tenha sido resgatado por muitos críticos de alto gabarito a partir dos anos 2000, ainda sofra certa resistência e preconceito, inclusive por certa ala da crítica de cinema. O filme, por exemplo, não aparece na lista dos 100 melhores filmes brasileiros, segundo a Abraccine, e é bem provável que aparecesse, agora com esse relançamento, se um novo ranking fosse criado.

ONDA NOVA é uma delícia de ver do início ao fim (mesmo quando o pesadelo parece querer invadir o tom de alegria em dois momentos) e que apresenta um caráter transgressor até para os dias de hoje, dado o suposto aumento de "conservadores" no Brasil (e no mundo). Quem nunca viu os filmes da época vai estranhar a dublagem meio caótica, comum, na produção paulista, especialmente. Além de perceber também uma montagem mais brusca, mas sem perder o charme.

Não há um interesse em se construir um plot: é um filme coral muito livre que mostra um grupo de jovens de um time de futebol feminino no tempo em que esse esporte ainda era quase que exclusividade dos homens. Vejo ONDA NOVA também como uma celebração da liberdade, da alegria, do prazer e da juventude que insistia em rir, fazer sexo e ser feliz, mesmo em tempos em que a censura da ditadura ainda ditava as regras.

O avanço na sensualidade mais gráfica que o cinema brasileiro obteve na primeira metade dos anos 1980 é também diretamente proporcional à habilidade com que um grande número de diretores sabia filmar cenas de sexo. Corpos femininos e também masculinos desfilam nus pelo filme, sem pudor, sem medo de ser feliz. 

Sobre a semelhança com os trabalhos de Almodóvar, que nasceram com o fim do franquismo e por isso se apresentam assim tão desbundantes, tão celebratórios e ousados, o filme brasileiro tem mais alegria, na comparação, mas isso tem mais a ver com o espírito mais festivo de nosso povo, e também do quanto nosso cinema, mesmo sofrendo com a censura, ainda se mostrou imenso no período da ditadura.

+ DOIS FILMES

O MELHOR AMIGO

Baseado em seu curta homônimo de 2013, Allan Deberton cria uma continuação para a história dos dois amigos. Pra quem gosta de Canoa Quebrada, ter o lugar como um espaço fílmico é uma diversão a mais. Para quem curte musical, pode também gostar de O MELHOR AMIGO (2024), especialmente se o seu forte for o cancioneiro popular dos anos 70 e 80. A presença da Gretchen ajuda a dar ao filme um ar de graça que foge um pouco do humor cearense tradicional, que, de machista, é revirado do avesso para o universo queer. Gosto da participação de Cláudia Ohana, das cores vivas e solares da fotografia de Beto Martins, o mesmo de PACARRETE (2019), e nem tanto dos números musicais. Acho interessante o quanto Vinicius Teixeira trabalha bem esse desconforto de alguém muito tímido que se vê ainda deslocado em ambientes em que impera a extroversão e o desembaraço. Parece ser o ator ideal para o papel, assim como Gabriel Fuentes foi uma escolha perfeita para viver o Filipe, o sujeito bonitão e desejado por todos e todas. A ideia de trazer o musical da Broadway para a Broadway de Canoa Quebrada foi outra bela sacada de Deberton.

MAMONAS ASSASSINAS – O FILME

A história da banda Mamonas Assassinas renderia um baita filme, dependendo da abordagem. Aqui, desde a fala inicial do Dinho (Ruy Brissac), o foco do filme parece ser a conquista do sucesso, não desistir dos sonhos, você consegue tudo que você desejar etc. É até uma coisa meio de autoajuda, e que acaba não servindo muito de exemplo quando pensamos no destino final dos cinco. Seria melhor uma vida sem sucesso e uma velhice tranquila? Ou é melhor alcançar uma popularidade enorme e morrer muito jovem? Não que o filme questione esse tipo de coisa. Na verdade, MAMONAS ASSASSINAS – O FILME (2023), de Edson Spinello, parece não se interessar muito em pensar ou se aprofundar em nada. É tudo montado como uma telenovela condensada, com foco nas subtramas relativas aos interesses amorosos dos cinco rapazes. O lado positivo é que dá espaço para os cinco, embora se perceba que o rapaz que interpreta o asiático da banda praticamente não tem uma história própria desenvolvida. Há também problemas quando o filme busca o melodrama, mas até que funciona quando persegue a comédia. Pelo menos isso, já que humor não poderia faltar num grupo lembrado por suas brincadeiras e pela irreverência.

sábado, abril 05, 2025

OESTE OUTRA VEZ



Acordei mais apaixonado por OESTE OUTRA VEZ (2024). O filme de Erico Rassi se agiganta cada vez mais à medida que pensamos nele. E qual não é minha surpresa quando olho para as lembranças do Facebook e vejo que há três anos eu havia terminado de ler Homens sem Mulheres, excelente livro de contos de Haruki Murakami, que comprei por causa de DRIVE MY CAR, mais um filme que adapta contos do escritor japonês.

Podemos dizer que o faroeste moderno de Rassi é uma nova visão de um mundo sem mulheres. Melhor ainda: de um mundo sem o feminino, uma vez que é o feminino em nós que é responsável pela sensibilidade, pela delicadeza e pela inteligência emocional e a capacidade de comunicar os sentimentos, de saber minimamente o que fazer com as emoções, em vez de ir a um bar e olhar para um copo de cachaça, amargando sua dor de corno ou de abandono, enquanto escuta uma canção do Nelson Ned ou outras do cancioneiro popular e que abordam a dor da separação.

OESTE OUTRA VEZ é o segundo filme de Rassi para o cinema, sendo que o primeiro, COMEBACK – UM MATADOR NUNCA SE APOSENTA (2016), lançado já há um bom tempo, um intervalo de tempo infelizmente maior do que gostaríamos, é também uma espécie de western moderno, por assim dizer. Ambos são filmes que homenageiam os faroestes americanos e que lidam com o tema da solidão de homens embrutecidos. Mas se em COMEBACK eu não havia percebido toda essa habilidade incrível do diretor, neste novo há força e sensibilidade tamanhas que se torna impossível passar batido, impossível não perceber o quanto se trata de um trabalho muito especial, além de uma obra feita por um cinéfilo. Aliás, é uma pena que seja um filme que deve ficar restrito apenas a salas alternativas e a poucas sessões. Digo uma pena porque se trata de uma obra que tem a capacidade de agradar a um público muito maior.

Na trama, Totó (Ângelo Antônio) briga com Durval (Babu Santana) pela mulher. Ele acusa Durval de ter roubado a mulher dele e acaba levando uma surra. Sem saber o que fazer, além de ligar para a mulher perguntando se ela mudou de ideia (quem está apaixonado e perde a pessoa amada passa bastante por esse período de negação, de não-aceitação), ele contrata um pistoleiro, ou pelo menos alguém que ele acredita ser um pistoleiro, um homem que trabalha carregando tralhas em um carro de lixo, vivido por Rodger Rogério, para matar Durval. A opção de Totó é partir para a violência extrema, ainda que terceirizada, mas algo dá errado e ele e o velho matador acabam sendo perseguidos no meio do sertão goiano, mostrado ora belo, ora sujo, empoeirado e feio.

OESTE OUTRA VEZ foi o grande vencedor da última edição do Festival de Gramado, ganhando três kikitos nas categorias de melhor filme, melhor fotografia (André Carvalheira, que trabalhou com Rassi em seu primeiro longa) e melhor ator coadjuvante para o nosso querido Rodger Rogério, grande cantor cearense que já faz algum tempo resolveu se enveredar também na carreira de ator. E deu muito certo. Que ator! Que presença de cena! E que personagem Rassi construiu para ele!

OESTE OUTRA VEZ é um filme que acerta tanto em homenagear o western americano quanto em retratar muito bem a solidão do homem num registro que une tanto a melancolia quanto o humor, além de o cineasta optar por fugir frequentemente das convenções do gênero ou do que se esperaria na narrativa. A escolha do diretor e roteirista Erico Rassi em praticamente não mostrar mulheres em cena intensifica a solidão dos personagens. Em algum momento, inclusive, me fez lembrar o incrível PELOS CAMINHOS DO INFERNO, de Ted Kotcheff.

Vendo a entrevista do diretor a Isabela Boskov, soube que Racci até tinha filmado cenas com a mulher que aparece no prólogo, mas que acabou cortando por não saber lidar com ela, sem que ela se tornasse uma personagem bidimensional. Resultado: acabou acertando em cheio com a escolha de cortar as cenas e de tornar a sua ausência uma espécie de ausência presente.

Há uma cena em especial com Antônio Pitanga que quase me arrancou lágrimas – o veterano ator interpreta um homem velho que vive num local muito afastado do interior, numa casinha de madeira sem um prato para comer, mas com um estoque considerável de cachaça. Já o personagem de Rodger Rogério é fascinante, tanto como alguém que almeja a posição de capanga, quanto como uma pessoa que não teve amor de verdade na vida.

OESTE OUTRA VEZ tem o seu próprio tempo, o seu respiro, e nem por isso deixa de ser eletrizante e de ter também um senso de humor muito próprio. Então, ao mesmo tempo que nos solidarizamos com os personagens, também rimos de certos atos, do ridículo de suas ações. Sem falar nas surpreendentes cenas de ação e tiroteio. E do arrepio que é sair do cinema ao som de um poderoso clássico da música popular.

Um dos melhores filmes brasileiros dos últimos dez anos, certamente. Vou querer ver de novo, até porque a cópia exibida estava com falha e ainda rolou em "letterbox". Ou seja, perdeu-se um pouco a glória do scope em toda sua plenitude. Um filme como esse merece o melhor tratamento possível. E também o carinho e a atenção do público.

+ DOIS FILMES

O AUTO DA COMPADECIDA 2

O começo de O AUTO DA COMPADECIDA 2 (2024) já denuncia certa estranheza, pela proposta de Guel Arraes, agora dividindo a direção com Flávia Lacerda, de usar uma direção de arte mais de estúdio, mais artificial na apresentação das casas, dos carros e até da vegetação. É como se fosse uma espécie de volta às origens dos personagens de Ariano Suassuna, já que eles nasceram para o teatro. Eu mesmo tive a sorte de ver na década de 1990, no Teatro do IBEU, uma montagem da peça e fiquei muito impressionado, especialmente com a construção do cenário do pós-morte. Com o grande sucesso da minissérie de 1999 que depois virou filme para cinema em 2000 e com uma inexistência de uma história escrita por Suassuna, ficou o temor de se mexer em coisa que não se devia. Mas acredito que Arraes e os outros roteiristas souberam captar a essência dos personagens e trazer coisas muito interessantes e novas, como a personagem de Fabíula Nascimento, filha do coronel vivido por Humberto Martins, e também Luiz Miranda. Na trama, João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna a sua cidade depois de vinte anos distante e encontra seu amigo Chicó (Selton Mello) vivendo de uma mitologia que ele criou de sua morte e ressurreição. O filme também faz uma boa crítica ao sistema político corrupto, sem que pareça um filme cabeçudo. Na verdade, a intenção deste trabalho é mesmo conquistar pessoas de todas as idades - na sessão em que estivemos, lotada, havia crianças rindo com frequência das presepadas dos personagens. Muito bom também o retorno de Virginia Cavendish, a Dona Rosinha, que havia se casado com o Chicó no primeiro filme e que ressurge com um aceno ao feminismo. Senti que faltou ao filme um pouco de respiro, já que os diálogos rápidos praticamente não dão trégua. Além do mais, talvez tenha faltado uma ideia melhor por parte dos roteiristas para repetir a ida de João Grilo ao pós-morte. Do jeito que ficou, é um mais do mesmo com algumas mexidas nos cenários, que ficaram ainda mais despojados (mais teatrais, nesse sentido). De todo modo, foi uma alegria ver esse retorno do grande público aos filmes brasileiros. Bom demais também perceber que a química entre os dois protagonistas continua muito boa.

UM MUNDO MISTERIOSO (Un Mundo Misterioso)

O nome de Rodrigo Moreno jamais estaria no meu radar se não fosse a grata surpresa de ver no cinema o excelente OS DELIQUENTES (2023). Eis que a Mubi traz dois outros filmes do realizador argentino em seu cardápio e um deles é este UM MUNDO MISTERIOSO (2011), bem mais modesto que seu mais recente trabalho. O protagonista é o mesmo Esteban Bigliardi de seu filme mais famoso, um ator de rosto tão familiar quanto bobo, e por isso perfeito para o papel do sujeito que leva um pé na bunda da namorada e fica à deriva pelo mundo, sem saber direito o que fazer. Certo dia, ela diz que precisa de um tempo. De quanto será esse tempo, ela não sabe dizer, mas ele é logo convidado a ir embora e se instala em um hotel humilde e barato. Um dos grandes baratos do filme está no quanto Moreno valoriza os "tempos mortos", que aqui não são tão estendidos quanto em OS DELIQUENTES, mas se percebe muito bem, especialmente nas cenas do protagonista com um carro velho, principalmente mais perto do final, na oficina. Essa valorização de não ter que dizer nada supostamente importante ou de não ter que ir a lugar nenhum é falado verbalmente por um dos coadjuvantes numa livraria. Não é novidade um diretor sair da linha de uma narrativa clássica, mas de vez em quando isso precisa ser enfatizado. Por mais que todos nós amemos boas histórias, alguém precisa destacar que o cinema tem regras próprias e liberdades são bem-vindas.

sábado, março 29, 2025

ADOLESCÊNCIA (Adolescence)



A minissérie mais comentada do momento conseguiu também me chamar a atenção, apesar de minha atual resistência a produções televisivas, por falta de tempo até mesmo para ver os milhares de filmes para cinema que tenho ainda para ver nesta curta vida. Mas todo mundo estava falando a respeito e, como a minissérie só tem quatro episódios, resolvi encarar. E ADOLESCÊNCIA (2025) é um trabalho que nos ganha logo nos primeiros minutos, nos carregando pelo braço e a gente não faz questão de soltar mais. E quando acaba, com o episódio mais centrado nos pais do garoto de 13 anos que é o centro da trama, eu me peguei chorando e soluçando em determinada cena.

A saber: a cena em que a filha mais velha do casal, Lisa (Amelie Pease, estreante), aparece arrumada para sair. Afinal, era aniversário do pai. A garota sabia o quanto o pai e a mãe estavam sofrendo, mas não estava a par da conversa que o casal estava tendo no quarto, uma conversa expondo feridas abertas e buscando, talvez, compreenderem suas possíveis falhas. Ao falarem do filho, é como se ele tivesse morrido. E de fato morreu. Pelo menos, do modo como eles o conheciam. Nada mais será como antes.

Àquela altura, já havíamos ouvido e nos solidarizado com aqueles pais que, com um sentimento imenso de impotência, se perguntam o quanto são culpados pelo que aconteceu, o quanto foram falhos na educação que deram para o filho mais novo, ou o quanto foram omissos e não perceberam que havia algo de errado. A interpretação do casal, os gigantes Stephen Graham (também cocriador da minissérie) e Christine Tremarco é impressionante. Ver uma interpretação tão intensa quanto a desses dois atores nos lembra da beleza e da grandiosidade do cinema e da teledramaturgia britânicos, cuja tradição é conhecida, mas cujos títulos acabam ficando restritos aos espectadores do Reino Unido mesmo. Os dois em cena não interpretam os personagens: eles os vivem. 

Criada por Stephen Grahan e Jack Thorne, ADOLESCÊNCIA tem seus quatro episódios dirigidos por Philip Barantini, que faz um trabalho primoroso ao conseguir trabalhar com o plano-sequência em todos os quatro episódios, integralmente, não importando quão desafiador seria. E é bastante desafiador principalmente nos dois primeiros episódios, que se passam em lugares diferentes: o primeiro na casa do menino Jamie (Owen Cooper, estreante e escolhido entre cerca de 500 outros candidatos ao papel), depois no carro da polícia a caminho da delegacia e depois em diversas áreas da delegacia. É de se imaginar que a forma pudesse atrapalhar o conteúdo, mas os realizadores conseguem a proeza de nos deixar tão envolvidos com o aspecto mais emocional que quase nos esquecemos desse aspecto particular adotado. O uso do plano-sequência em cada um dos quatro episódios não é apenas um gesto de exibicionismo por parte dos realizadores: ele funciona muito bem para nos deixar mais próximos da ação.

O plano-sequência de longa duração vez por outra surge. Sempre lembramos de FESTIM DIABÓLICO, de Alfred Hitchcock, e depois aparecem outros exemplos, como ARCA RUSSA, de Aleksandr Sukurov, todo filmado em um só plano, mas podemos nos lembrar de obras maravilhosas, como LONGA JORNADA NOITE ADENTRO, de Bi Gan, FILHOS DA ESPERANÇA, de Alfonso Cuarón, OLHOS DE SERPENTE, de Brian De Palma, O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER, de Michelangelo Antonioni; e PIECES OF A WOMAN, de Kornél Mundrunczó, entre outros.

Voltando a ADOLESCÊNCIA, eis um trabalho cujo hype se justifica até pelo tema. O boca-a-boca tem trazido mais e mais espectadores para a minissérie. Também pudera: o tema é quente e tem chamado a atenção de pais, professores e estudiosos da toxicidade masculina facilitada pelas redes sociais, que tem ajudado a culminar em crianças e adolescentes agredindo ou mesmo matando outros garotos e garotas. No filme, o menino Jamie é acusado de ter matado uma menina de sua idade da escola onde estuda. E por mais que isso pareça impossível de acreditar, tudo indica que é mesmo verdade, isso aconteceu. Para os policiais, resta agora descobrir o motivo e a arma do crime, uma faca.

E essa busca dos policiais acontece no segundo episódio, que se passa quase inteiramente na escola. E é nesse episódio que vemos o quanto o abismo geracional que sempre existiu entre adultos e adolescentes, mas que agora está muito maior. Já na década de 1950, esse tema veio à tona em JUVENTUDE TRANSVIADA, de Nicholas Ray, que flagrava uma mudança que estava acontecendo na sociedade naquele momento do pós-guerra. A rebeldia, a fúria juvenil e a incompreensão dos adultos de seus dramas viviam lado a lado com o rock’n’roll e a contracultura. 

Atualmente, porém, essa distância parece muito maior, já que o mundo habitado pelos adolescentes, o mundo das redes sociais, é um outro muito distinto, com regras próprias, uma outra linguagem e muitos perigos, como o do movimento Incel, fenômeno recente que tem afligido e intoxicado muitos meninos que se sentem rejeitados pelas meninas, por algum motivo, sendo que muitos desses motivos são fictícios, trazidos à tona por pessoas maliciosas, e que acabam gerando uma cultura misógina. A série convida à discussão sobre a masculinidade nos dias de hoje, e esse aspecto é tratado em especial no terceiro episódio, em que Jamie tem uma sessão de terapia com uma psicóloga (Erin Doherty), numa cena cheia de muita tensão e incômodo. 

+ TRÊS FILMES


SING SING

É tanto um espaço para o brilho das atuações de Colman Domingo e do ator-revelação Clarence Maclin, quanto um filme sobre o quanto a arte pode trazer dignidade e compreensão da própria existência, ainda que dentro dos muros de uma penitenciária. Gosto muito da fala de um dos diretores da companhia de teatro, que fala sobre a importância de se abrir, de ser vulnerável, e o quanto isso é raro entre os homens. Senti falta de uma maior conexão emocional (de minha parte) com o filme e com os personagens, embora tenha gostado muito dos personagens e de seus dramas pessoais. SING SING (2023) também tem o mérito de não julgar e nem nos incentivar a julgar os erros daqueles homens. Não se trata de novidade no cinema, é claro, mas talvez o diretor Greg Kwedar tenha conseguido mostrar isso de maneira diferente, com uma intenção deliberada de usar uma fotografia despojada, com um negativo em 16 mm e depois ampliado para 35, para passar depois para o digital. A câmera na mão não chega a incomodar e ajuda a trazer dinamismo para um filme quase sempre centrado num espaço fechado. Destaque também para o roteiro que se adequou bem às vozes daqueles ex-detentos.

A VERDADEIRA DOR (A Real Pain)

Esta nova experiência na direção de Jesse Eisenberg é uma espécie de road movie. E como acontece nesse subgênero, durante a jornada, as pessoas vão se conhecendo e algo muda em suas percepções de mundo. No caso dos primos vividos por Eisenberg e Kieran Culkin, eles não podiam ser mais diferentes: Eisenberg é o sujeito fechado, tímido, desconcertado diante das relações sociais; Culkin é o rapaz que por vezes esconde sua condição de depressivo na figura de alguém que brilha sem muito esforço, é descolado e corajoso. Ambos fazem uma viagem para conhecer a terra natal da avó, recentemente falecida, na Polônia. E na excursão, há até uma visita a um campo de concentração. Mas eu diria que a melhor cena de A VERDADEIRA DOR (2024) não vem de Culkin, o vencedor do prêmio de coadjuvante no Oscar 2025 (sendo ele um dos protagonistas), mas a cena em que Eisenberg faz um oversharing, ou seja, compartilha muitas informações delicadas ao grupo, durante um jantar. Esse é talvez o melhor momento do filme. Gosto também das cenas finais, destacando ainda mais as condições psicológicas e de vida dos dois. É um filme pequeno que tem seus momentos tocantes.

TODO TEMPO QUE TEMOS (We Live in Time)

O título original em inglês faz mais sentido para o filme do que o brasileiro. Ou seja, "Nós Vivemos no Tempo" pode não ficar tão poético, mas dá uma dimensão melhor do que o filme apresenta. Com uma narrativa fragmentada e montada fora da ordem cronológica em boa parte do tempo, todos os momentos que vemos o casal vivido por Florence Pugh e Andrew Garfield são importantes, desde o dia que se conheceram, passando pelo diagnóstico de câncer, pela gravidez e o que viria na conclusão, cada cena parece importante (a cena do parto é ótima!). Eu até destaco um momento em que nada realmente importante parece acontecer e que me deu um senso de força maior do que na maior parte da trama: acontece quando a personagem de Pugh se estressa diante de um desafio, vomita do lado de fora do restaurante e olha para o céu e a câmera mostra uma inclinação na imagem por alguns segundos. Até poderia dizer que um dos méritos de TODO TEMPO QUE TEMOS (2024), de John Crowley, é trabalhar com certa sutileza o registro do melodrama, quando se tem tudo para apresentar uma história muito mais carregada, levando em consideração os ingredientes. Acontece que já se contou muita história sobre pessoas que lutam contra o câncer (eu até tenho meus favoritos: LAÇOS DE TERNURA, MINHA VIDA, A GUERRA ESTÁ DECLARADA etc.) e o desafio agora é contar uma história de maneira tão diferente quanto sensível. E creio que o filme consegue esse feito. E muito pela ótima química entre seus atores.

terça-feira, março 25, 2025

ESTÔMAGO



Ando vendo menos filmes e por isso surge a oportunidade de repensar alguns títulos vistos no ano passado e que estavam ainda na lista dos que “esperavam” espaço no blog. Sempre escrevo um textinho no calor do momento e esses textos agora são aproveitados no “+ 3 Filmes” depois do principal, como muita gente já deve ter notado. Esse recurso passou a ser feito por mim por conta do pouco tempo que tenho para escrever, em comparação com tempos atrás, em que eu conseguia escrever sobre qualquer filme visto. Agora eu acabo escolhendo um para expandir um pouco, pensar mais um pouco, e trazer para este espaço. 

Eis que percebo que ESTÔMAGO (2007), de Marcos Jorge, visto no ano passado, quando de seu relançamento, poderia ser um desses filmes. Até porque posso aproveitar e ler o texto de Andrea Ormond para o livro Ensaios de Cinema Brasileiro: Volume III – Os Anos 2000 e 2010. E há também o texto de Marcos Santuario para o 100 Melhores Filmes Brasileiros, livro produzido pela Abraccine, com apoio do Canal Brasil. Sim, eu gosto muito de ler sobre os filmes antes de escrever a respeito, e faço isso não apenas para perceber novas maneiras de se ver o mesmo filme, mas também para obter mais informações a respeito, ainda que, em se tratando de filmes novos, eu prefira não ler outras críticas. 

Os textos da Andrea sempre me ganham muito por seu valor literário mesmo. Percebe-se que ela tem um vasto background de alta literatura, em especial de literatura brasileira. Lembro de Machado de Assis quando a leio, mas também de escritores modernistas e contemporâneos. Sobre ESTÔMAGO, ela destaca o erotismo que uma receita de comida pode também representar, algo que o próprio Jorge Amado havia destacado em algumas de suas obras (Gabriela, Cravo e Canela; Dona Flor e Seus Dois Maridos, em especial, ambas levadas ao cinema). E o filme de Marcos Jorge também explora muito bem esses dois elementos: quem não se lembra da cena de sexo em que Nonato saboreia o corpo de Íria (Fabíula Nascimento), enquanto ela saboreia a comida feita por ele simultaneamente? Ou quem não se lembra do êxtase de Íria ao experimentar pela primeira vez a coxinha feita por ele?

Andrea também destaca o recurso do voice-over de Nonato/Alecrim, e do quanto ele parece um “cordel sem rimas”. O sotaque e a musicalidade da voz de João Miguel fazem a diferença no modo como o personagem nos ganha, ao contar sua história em duas linhas temporais: a chegada à cidade grande, a descoberta de seu dom culinário e seu encontro com a prostituta Íris; e a vida na prisão, depois de ter cometido um crime grave, apenas revelado no final do filme.

Já Santuario destaca as hierarquias de poder que o filme trata: o poder de alguém que sabe cozinhar, o poder de um bandido numa penitenciária, o poder de sedução de uma mulher, o poder de alguém que tem dinheiro, como o dono do restaurante que contrata Nonato. Há também destaque para o toque cômico que é um dos elementos que o filme mais se beneficia para conquistar o espectador. Nesse sentido, eu diria que aí está o poder de Marcos Jorge, o de saber manipular o espectador com seus ingredientes, e organizando-os na ordem correta para que o resultado seja o melhor possível.

Podemos dizer que ESTÔMAGO se tornou um clássico. Revê-lo depois de menos de vinte anos mostrou o quanto este sucesso do cinema brasileiro dos anos 2000 permanece um prazer de ver. Eu diria até que ficou melhor com o tempo. E talvez seja o grande papel da carreira de João Miguel, mesmo contendo no currículo maravilhas como CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, O CÉU DE SUELY e À BEIRA DO CAMINHO, só pra citar três de meus queridos.

Como seu personagem é muito divertido e aparentemente ingênuo, e a montagem contribui para que tenhamos esse tipo de relação com ele, fica até difícil acabar o filme fazendo algum tipo de julgamento mais pesado. Além do mais, isso atrapalharia se a história fosse contada na ordem exata dos acontecimentos, com toda a história na prisão sendo jogada para a segunda metade. ESTÔMAGO é uma delícia de ver, pela gastronomia também, mas principalmente por ser um exemplo de filme em que tudo funciona perfeitamente: montagem, roteiro, atuação (Paulo Miklos sempre rouba a cena quando aparece) e humor (difícil não rir várias vezes durante a projeção).

Inclusive, o diretor confessou que para fazer ESTÔMAGO, ele bebeu na fonte de outros filmes de gastronomia, como A FESTA DE BABETTE, de Gabriel Axel, e O COZINHEIRO, O LADRÃO, SUA MULHER E O AMANTE, de Peter Greenaway. Sim, o cinema também é feito para dar água na boca.

+ TRÊS FILMES

GREICE

Dos três longas-metragens de Leonardo Mouramateus, vejo GREICE (2024) como seu maior acerto até o momento. É um filme que tem um sabor de Éric Rohmer, mas com o diferencial (vantagem) de fazer com que o espectador brasileiro, em especial o cearense, se veja representado no sotaque, na graça e na espontaneidade dos personagens. Amandyra, jovem atriz-revelação, dá um show como a personagem-título que se vê numa encrenca em seu curso superior em Lisboa e volta para Fortaleza, sem que sua família saiba, até a poeira baixar. O trabalho de montagem está sempre a favor da narrativa e é usado de maneira criativa e envolvente. Gosto também de que existe um mistério na trama, um segredo, mas há algo que torna esse segredo leve e consonante com o espírito do filme e de seus heróis.

BANDIDA – A NÚMERO UM

Vendo BANDIDA – A NÚMERO UM (2024) fiquei pensando no quanto CIDADE DE DEUS poderia ter sido uma dessas obras muito copiadas, devido a sua importância e repercussão inclusive internacional, mas que acabou não sendo. Talvez porque, para seguir os passos do filme de Meirelles, teria que haver uma produção mais cara, mais caprichada, e nem sempre se pode contar com isso no Brasil. Eis que vendo este novo trabalho de João Wainer (A JAULA, 2022), percebemos que é uma obra que segue, sim, os passos do CIDADE. E falo isso não como um problema. Na verdade, é uma delícia de acompanhar, tem uma linguagem bem dinâmica e conta a história da heroína de um jeito que nos importamos com os personagens, além de ser muito fácil gostar de alguém como Rebeca (Maria Bomani, ótima!), a garota que é comprada na infância para ser propriedade de um traficante e depois acaba se tornando, de certa forma, a líder do tráfico na Rocinha nos anos 1990. Aliás, a contextualização da época é muito boa também, embora eu considere meio aleatórias aquelas mudanças de janela e texturas, mas não chega a incomodar. Até é uma maneira de brincar com os formatos de filmagem existentes nas épocas retratadas (anos 1970-90). As escolhas de Milhem Cortez e Otto como dois líderes de tráfico rivais foi muito acertada. Eu até faço a reclamação de que o filme podia ser maior (tem apenas 82 minutos) e também vejo isso como uma qualidade. Afinal temos um filme que deixa aquele gostinho de quero-mais. Muito bom.

AUMENTA QUE É ROCK'N'ROLL

Muito da força de AUMENTA QUE É ROCK'N'ROLL (2024), de Tomas Portella, vem da sempre ótima atuação de Johnny Massaro. Ele imprime ao personagem Luiz Antônio algo que certamente teria se perdido se fosse outro ator no papel. O filme é sobre ele, sobre sua busca por criar uma rádio dedicada exclusivamente ao rock num tempo em que o rádio era o meio de comunicação mais democrático e barato do país, que ainda vivia em tempos de ditadura, mas a caminho da redemocratização. O filme de Portella é redondinho e muito gostoso de ver, principalmente para quem viveu aquele período, e também para quem é amante da energia sem igual do rock. Quando termina vemos que não se trata apenas da história da criação da primeira rádio rock do Brasil, mas também da superação do medo pelo amor, para usar as palavras da minha namorada Giselle. E o filme até faz uso de um clichê de comédia romântica para isso. Mas ficou lindo, hein. Além do mais, ouvir duas canções inteiras (ou quase) da Legião Urbana (ao contrário das demais que tocam só trechos) pode ter uma justificativa: a trilha sonora do filme é de Dado Villa-Lobos. Não sei o quanto a inclusão da banda de Renato Russo foi ou não uma "licença poética", mais ou menos como fez BOHEMIAN RHAPSODY, que brincou com a ordem dos acontecimentos, já que a história do filme termina justamente em janeiro de 1985, com os shows do Rock in Rio. O primeiro disco da Legião também foi lançado em janeiro de 85.

domingo, março 23, 2025

LOBISOMEM (Wolf Man)



Ontem dei uma entrevista para o podcast Cine Amora (que ainda vai ao ar) e o Gabriel Amora se impressionou com a capacidade que eu tive/tenho de manter este blog por tanto tempo. A conversa foi muito legal e poderia ter se estendido até mais, pois falar de cinema é sempre um prazer. Este blog é um espaço que mantenho atualizado por amor, mesmo. Sei que é muito pouco lido em tempos de Instagram e Tik Tok, mas o que acho mais importante é mantê-lo vivo.

Este mês de março não está sendo fácil para mim. Além de estar vivendo uma tempestade em minha vida. Além de situações familiares delicadas, inclusive de doenças, e de perdas materiais, ainda estou cumprindo uma promessa de não ir ao cinema por 30 dias, por uma bênção alcançada. Ontem mesmo, aliás, ao sair do estúdio do Amora, me encontrei com o querido cineasta Allan Deberton, que havia sido recém-entrevistado. Ele talvez tenha se perguntado se não vi ou por que não vi ainda seu novo filme, O MELHOR AMIGO, em cartaz há duas semanas nos cinemas (ou não, talvez ele tenha mais com o que se preocupar). De todo modo terei que esperar até o início de abril para vê-lo, e também tentar ver o máximo de filmes que estiverem ainda em cartaz. Me aguardem. Mal posso esperar.  

Enquanto isso, a escolha de hoje para um texto um pouquinho maior é o subestimado LOBISOMEM (2025), de Leigh Whannell, que a maioria da crítica e da cinefilia recebeu com certa frieza ou mesmo desdém. Achei um belo filme. Se em O HOMEM INVISÍVEL (2020) Whannell tratou de violência doméstica e masculinidade tóxica, em LOBISOMEM, a masculinidade volta novamente à tona como preocupação do enredo. Talvez não exatamente a masculinidade, mas o modo como alguns homens, em sua incapacidade de expressarem seus sentimentos ou de serem brutos mesmo, acabam ferindo algumas pessoas, principalmente seus familiares, seus filhos.

Talvez o interesse do filme seja lidar com a paternidade e o quanto a educação e o cuidado fazem a diferença na criação da pessoa. Falando assim, nem parece filme de horror, mas é sim, e bastante sangrento, inclusive. E, diferente daquele O LOBISOMEM de 2010, que foi mais um filme de monstro da Universal fracassado do período, este novo tem um cuidado maior em trabalhar tanto com o suspense quanto com a transformação física e a perda gradual do personagem de Christopher Abbott, um ator, aliás, que tem aparecido bastante em filmes de gênero, como AO CAIR DA NOITE, de Trey Edward Shults, POSSESSOR, de Brandon Cronenberg, BLACK BEAR, de Lawrence Michael Levine e SANTUÁRIO, de Zachary Wigon, todos filmes pequenos e com um viés autoral ou mais artesanal, fugindo um pouco do estilo industrial das produções maiores dos grandes estúdios. Ah, Abbott também aparece num papel pequeno mas essencial em POBRES CRIATURAS, de Yorgos Lanthimos.

Este LOBISOMEM de Whannell, inclusive, apesar de ter uma produção mais cara, e percebemos claramente um interesse da Universal numa revitalização dos monstros clássicos da era de ouro do estúdio, é também é um filme que aposta no novo, por mais que muita coisa seja reciclada, até para dar um ar de certa familiaridade, o que é também bom para o espectador habitual do cinema de horror. O gênero é costumeiramente associado a um sentimento de bem-estar, por incrível que possa parecer para aqueles que não o apreciam ou têm pouca intimidade.

Há também algo bastante criativo nesta nova abordagem, que é a dificuldade de comunicação após o início da transformação e a forma como Whannell e a roteirista estreante Corbett Tuck, esposa de Whannell, tratam. O visual do monstro lembra um pouco o do clássico O LOBISOMEM de 1941, a principal referência, em que o monstro não se transforma totalmente num lobo, e anda com as duas pernas (pelo menos a maior parte do tempo), mas aqui não há uma intenção de aprofundar a questão do folclore ou nada do tipo.

Na trama, Blake, o personagem de Abbott, sua esposa Charlotte (Julia Garner, que depois se revelaria a principal protagonista) e a filha pré-adolescente Ginger (Matilda Firth) partem de São Francisco para uma temporada na terra onde Blake cresceu com o pai no passado. Agora que o pai foi dado oficialmente como morto, ele volta ao lugar para ver questões de herança. Não demora para que, ao chegarem ao lugar, serem atacados por uma criatura feroz. Depois, eles conseguem fugir para uma cabana, onde tentam se proteger da criatura, ao mesmo tempo que algo estranho começa a acontecer com o corpo de Blake.

Se Whannell não fez tão bonito quanto no anterior, fez um terror intimista calcado num drama familiar muito bom. Espero que no futuro LOBISOMEM seja mais valorizado e se torne uma obra mais respeitada e mais querida. Com frequência esse tipo de coisa acontece, afinal.

+ TRÊS FILMES

STING – ARANHA ASSASSINA (Sting)

Há filmes que parecem nascidos de cartazes. Era uma lógica que prevalecia em indústrias de filmes B tanto nos Estados Unidos quanto na Itália décadas atrás. E o cartaz de STING – ARANHA ASSASSINA (2024), de Kiah Roache-Turner, é tão bonito e atraente que até parece que o filme pode ter nascido dessa maneira também, embora ache pouco provável. O que esta produção austaliana traz de melhor talvez seja a ótima concepção do espaço, que é formado basicamente pelos apartamentos e os dutos de ar, por onde andam tanto a aranha alienígena quanto a menina que a adota. Há uma trama de família envolvendo o abandono do pai e o relacionamento carinhoso com o padrasto, desenhista de histórias em quadrinhos, mas que ganha a vida mesmo como zelador do prédio. Enquanto isso, a menina vai percebendo as peculiaridades daquela aranhinha pequena que vai se tornando cada vez maior e mais faminta. Senti falta no filme de mais suspense e terror, mas a aura de familiaridade e de diversão acabam compensando e tornando STING uma bela diversão descompromissada.

ACOMPANHANTE PERFEITA (Companion)

Uma das graças de ACOMPANHANTE PERFEITA (2025), de Drew Hancock, está em trazer uma sucessão de surpresas ao longo da trama, o que contribui para seu potencial de atração para o público, em especial o mais jovem. No fim, além de divertido, é também uma história sobre dependência emocional e busca de libertação após uma percepção da realidade. Pode parecer muito para um filme com essa embalagem mais pop e que se vende como horror, quando pode ser vendido também como ficção científica, que muitos vão associar à série BLACK MIRROR, mas há tempos o cinema de gênero tem trazido temas relevantes de nossa sociedade. Além do mais, Sophie Thatcher está muito bem como a protagonista. Legal que ela vem de outro filme de gênero muito bom da safra atual, HEREGE. Só acho que o filme me perdeu um bocado em sua segunda metade, talvez por algum problema de ritmo.

CHIME

Não sei se por ser mais curto ainda do que eu esperava (o que de certa forma é um bom sinal, pelo menos de que estava gostando do filme), mas não tive tempo de me conectar suficientemente com CHIME (2024), de Kiyoshi Kurosawa, que contém elementos tanto de A CURA (1997) quanto de PULSE (2001), especialmente na forma como o cineasta manipula sua câmera, seja em movimento lento para os lados, revelando ações e figuras, seja estaticamente, às vezes em posições pouco usuais. Na trama inicial, um professor de culinária frustrado profissionalmente é confrontado com um aluno que diz estar ouvindo um badalo. A princípio, achei que o filme enveredaria por algo parecido com MEMORIA, obra-prima de Apichatpong Weerasethaku. Felizmente o filme se encaminha para algo diferente e mais a cara de Kurosawa, que trata de temas como depressão e solidão com a chave do horror. A opção por uma obra menor (em duração) não significa um cansaço do criador, pois no mesmo ano de 2024 lançou três filmes diferentes. CLOUD tem sido tão ou mais elogiado que CHIME, por exemplo. A ver.