
why do I feel
this torture?
or why do I feel less
of a human being than others
(Always so of felt in
a way that I’m sub-human
why
in other words
I’m the worst
why?)
Marilyn Monroe em Fragmentos – Poemas, Anotações Íntimas e Cartas de Marilyn Monroe (p. 121)
Achei difícil ver OS DESAJUSTADOS (1961), de John Huston, e não pensar na Marilyn Monroe, no quanto a personagem que ela interpreta carrega muito de si, de sua sensibilidade, de suas inquietações, de suas fragilidades e também de sua alta inteligência e percepção do que está errado no mundo. E Huston, por mais que tenha também a fama de ser esse diretor que é capaz de deixar de lado um set de filmagens para matar um elefante na África, nas filmagens de UMA AVENTURA NA ÁFRICA (1951), fato muito bem explorado no excelente CORAÇÃO DE CAÇADOR, de Clint Eastwood, por mais que tenha a fama de carrasco, há também em seus filmes um tipo de sensibilidade que só faz com que achemos a raça humana ainda fascinante em suas contradições.
E em OS DESAJUSTADOS ele parece, sim, ser essa pessoa que parece se questionar sobre a decadência ou pelo menos a falta de sentido do mundo patriarcal e acostumado com a violência. Eu não estava nada preparado para as cenas dos cavalos, que me deram mesmo aflição, mas isso acontece principalmente pois a personagem de Monroe representa muito bem a sensibilidade dentro daquele mundo masculino decadente dos caubóis, representado principalmente pelo personagem de Clark Gable. Acredito que seja a melhor interpretação de Marilyn, e sua última num filme completo.
Também foi o último de Gable, com seu personagem que lamenta os rumos que deu a sua vida, e que vê naquela loira bonita, carinhosa e sem rumo a chance de ser feliz novamente. E também é um dos últimos de Montgomery Clift, como o caubói que vive uma vida de sacrifício, como se quisesse, de alguma maneira, esquecer as angústias com a dor física. O próprio Clift já era, como ator de Hollywood, uma figura carregada de certa tragédia no olhar. Outros filmes com ele seriam lançados posteriormente, inclusive um dirigido pelo próprio Huston, FREUD – ALÉM DA ALMA (1962), mas já faziam parte da fase de decadência física e emocional do astro. Marilyn, em suas memórias, chegou a dizer que Clift como “a única pessoa que conheço que está pior do que eu”. Ou seja, é como se o roteiro de Arthur Miller tivesse sido escrito para Clift, que vivia numa espécie de longo suicídio, de vida de autodestruição.
Ou seja, OS DESAJUSTADOS é carregado de um simbolismo de fim de uma era para Hollywood, ao vermos a antecipação tripla da morte de figuras tão importantes para a história do cinema americano. E o filme trazer essa sensação de fim, de crepúsculo, de melancolia e angústia, de maneira tão intensa, como se estivesse simplesmente captando com antenas o zeitgeist, só isso já o coloca como uma das obras mais fundamentais do cinema americano.
Na trama, Marilyn Monroe é como uma lâmpada que atrai mosquitos, no caso, os três homens do elenco principal: Montgomery Clift e Eli Wallach são os outros. Ela é Roslyn, uma mulher separada depois de um relacionamento abusivo, que conhece num bar Gay Langland, um velho caubói vivido por Gable, que a convida para conhecer o rancho de um amigo, o personagem de Wallach, um piloto de aviões também separado e com um casamento fracassado. É lá que os dois, Gay e Roslyn, tentarão uma vida amorosa juntos.
OS DESAJUSTADOS tem uma narrativa em compasso lento, ritmo que seria bastante adotado nos filmes da fase ainda mais tardia do diretor, como OS PECADOS DE TODOS NÓS (1967) e seu canto do cisne OS VIVOS E OS MORTOS (1987). Aliás, falam maravilhas de CIDADE DAS ILUSÕES (1972) e sobre o quanto é um filme-irmão de OS DESAJUSTADOS, e por isso ele está na minha lista de interesses para este ano ainda. O filme-despedida de Monroe e Gable é uma obra sobre personagens fracassados em busca de segundas chances, e do quanto a sensibilidade de uma mulher é capaz de tornar visível a crueldade do homem. Só por isso, já me ganhou.
Por isso um grande dramaturgo faz uma diferença e tanto num filme. Aqui Arthur Miller, então casado com Marilyn, escreve o roteiro e John Huston, ainda que já veterano àquela altura, faz um filme diferente do que se estava acostumado a se ver em Hollywood naquele momento. Por isso que muitas vezes essa coisa de fazer a divisão entre velha e nova Hollywood acaba sendo problemático, principalmente quando vemos algo desse tipo, que já antecipa bastante o tom que o cinema americano adotaria na década seguinte.
+ DOIS FILMES
BAD GIRLS GO TO HELL
Segundo filme de Doris Wishman que vejo – o anterior foi o infame LET ME DIE A WOMAN (1977), que imagino ser de um outro momento de sua carreira. Este BAD GIRLS GO TO HELL (1965) se encaixa num sexploitation que imagino que era novidade na década de 1960, um período em que se começou a ter mais liberdade para trazer nudez gráfica em filmes americanos, ainda que em obras mais marginais como esta. No entanto, como cinema exploratório do corpo feminino, é sempre bom lembrar que temos uma mulher atrás das câmeras e isso faz toda a diferença. A personagem principal é uma mulher que vive o inferno de se sentir perseguida, após fugir de Chicago depois de ter matado o homem que a estuprava. Usando um nome falso e sem dinheiro, nossa heroína sai em busca de um pouco de paz e alegria para reconstruir a vida em Nova York. O filme é mais sobre a crueldade do mundo patriarcal e covarde com a mulher, disfarçado de obra que explora o corpo nu ou em roupas transparentes. Isso serviria como chamariz. O filme me fez lembrar os primeiros trabalhos de Brian De Palma. E talvez por isso algumas pessoas comparem Wishman a Godard, já que De Palma também queria ser uma espécie de Godard americano.
UM COMPLETO DESCONHECIDO (A Complete Unknown)
Vi UM COMPLETO DESCONHECIDO (2024) sob circunstâncias adversas e numa sala não muito boa, mas o filme é tão bom de acompanhar que quase me esqueci dos problemas. Timothée Chalamet sai de DUNA para o papel de um jovem Bob Dylan. E o rapaz arrasa. Canta e toca violão/guitarra de verdade e não está nada afetado em sua personificação do cantor e compositor mitológico. Além do mais, o filme ainda conta com duas jovens atrizes tão belas quanto talentosas, a revelação Monica Barbaro como Joan Baez e a já famosa Elle Fanning como Sylvie Russo, a namorada de Dylan eternizada na capa do álbum The Freewheelin' Bob Dylan (1963). James Mangold faz aqui um filme que funciona como uma dobradinha perfeita com JOHNNY & JUNE (2005), inclusive com uma participação também de Johnny Cash como alguém que incentiva Dylan a fazer aquilo que deseja, a se libertar dos rótulos e do aprisionamento que ele sentia dentro da indústria da música folk, que ele nunca deixou de fazer, mas cuja virada, mais para o rock, a partir de 1965, foi vital para que o cantor se firmasse por tanto tempo como artista relevante e gigante. O legal do filme é que ele coloca momentos de insatisfação de Dylan e a mudança grande que aconteceria em '65 não acontece de uma hora para a outra para o espectador. Um clássico filme de cinebiografia, mas também uma obra que enfatiza o aspecto misterioso e selvagem da persona de Dylan, principalmente na cena final.